Eleição presidencial dos EUA em novembro e volta da inflação no médio prazo estão entre os principais pontos de atenção
(Getty Images)
SÃO PAULO – No primeiro semestre de 2020, como não poderia deixar de ser, a atenção dos investidores se voltou quase que unicamente para a pandemia do coronavírus. Ainda que a Covid-19 siga bastante presente no dia a dia da maior parte da população, o mercado financeiro começa a analisar com mais afinco os novos riscos que tendem a ganhar espaço no horizonte dos investidores.
Entre os destaques, fundamental mencionar a eleição presidencial americana, prevista para o dia 3 de novembro, e a possibilidade de uma pressão inflacionária no médio prazo, como reflexo das políticas fiscais e monetárias de combate à pandemia.
Gestores de fundos de investimento consultados esperam um aumento da volatilidade ao longo das próximas semanas, conforme a disputa nos Estados Unidos for se aproximando da reta final. De olho no cenário desenhado para as eleições, casas como a Ace Capital começam a se valer de derivativos para se proteger de uma flutuação mais forte das ações.
Caso o favoritismo do democrata Joe Biden apontado pelas pesquisas se confirme em uma vitória nas urnas, há uma expectativa de enfraquecimento do dólar ante moedas de pares desenvolvidos, como o euro.
Casas globais, como a Franklin Templeton e a UBS Wealth Management, também avaliam que os preços dos ativos no mercado americano sofrerão um impacto de uma eventual derrota de Trump, em graus distintos a depender do setor da economia.
Entre os temas que devem nortear os debates da corrida eleitoral americana, certamente um dos principais será a forma como a pandemia foi tratada nos Estados Unidos. E embora seja uma das principais responsáveis pelo desempenho positivo dos mercados, a injeção colossal de liquidez promovida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) já começa a gerar alguns questionamentos com relação ao potencial impacto inflacionário de médio prazo.
Caso venhamos de fato a experimentar uma escalada dos preços mais à frente, preocupação que está no radar de gestores renomados como Howard Marks, da Oaktree Capital, a alocação em ativos reais, como ações de empresas de e-commerce e de alimentos ou fundos imobiliários, bem como em títulos indexados à inflação, aparecem como boas alternativas para o investidor em busca de proteção.
Em um ambiente com riscos para todos os gostos, a gestora SPX tem recomendado ao investidor uma postura mais prudente.
“Embora haja razão e motivos para os preços dos ativos financeiros continuarem a subir, acredito que seja hora de pensar em comprar guarda-chuva em dia de sol”, escreveu a gestora de Rogério Xavier, em carta enviada aos cotistas do fundo Nimitz referente ao mês de junho.
Plataformas divergentes
Ricardo Denadai, economista-chefe e estrategista da Ace Capital, afirma que continua otimista com as perspectivas para as bolsas americanas. Ele avalia, no entanto, que o cenário das eleições pode ser ruim para as ações em caso de vitória do ex-vice-presidente.
Por isso, a gestora tem mantido uma posição no índice acionário S&P500, mas se valendo de derivativos para proteger a carteira, se houver uma queda abrupta do benchmark.
“A agenda democrata, do ponto de vista econômico, é bastante diferente do que foi a de Trump”, diz o especialista, lembrando que parte do sucesso das bolsas americanas nos últimos anos derivou do impulso da agenda econômica, que ele acredita que não deve prosseguir da mesma forma em um governo liderado por Joe Biden.
O estrategista da Ace cita como exemplo da agenda republicana pró-mercado os estímulos econômicos e a reforma tributária, que reduziu o imposto pago pelas empresas.
A possibilidade de os democratas ampliarem os impostos pagos pelas companhias de tecnologia também está no radar da gestora – o que pode impactar negativamente as bolsas.
Para a gestora americana Franklin Templeton, tão importante quanto saber quem será o próximo presidente americano, é entender qual será a nova configuração do Congresso.
Em relatório, o vice-presidente responsável pela área de ações da gestora, Stephen Dover, disse que os mercados ainda não precificaram o potencial de aumento nos impostos, bem como as regulações comerciais e ambientais, se o partido democrata levar a presidência e a maioria no Congresso.
Alexandre Hishi, responsável pela gestão de investimentos da Azimut Brasil Wealth Management, também espera, em caso de uma vitória ampla dos democratas, uma volatilidade mais acentuada dos mercados em comparação a um Congresso mais divido.
Além da proteção via derivativos, opção mais sofisticada para o investidor de varejo, Hishi recomenda uma redução da exposição no mercado de ações americano ou uma maior diversificação do portfólio, com posições no ouro e no dólar, como formas de se proteger contra o risco de aumento da volatilidade.
Para a gestora UBS Global Wealth Management, as plataformas políticas dos dois candidatos têm diferenças importantes, com impactos em potencial também divergentes entre os setores da economia.
“Uma onda azul [cor associada aos democratas] provavelmente beneficiaria ativos expostos à eficiência energética, mobilidade inteligente e energia renovável, nos Estados Unidos e no exterior”, apontam os especialistas do UBS, em relatório.
Já uma onda vermelha (associada aos republicanos) tende a beneficiar empresas de energia e do setor financeiro, com o risco de aumento da regulação perdendo espaço, prevê a gestora, citando ainda empresas espaciais e de defesa como outras prováveis vencedoras em um segundo governo Trump.
Desvalorização do dólar
Denadai, da Ace, diz ainda que, caso haja de fato a vitória dos democratas, a tendência é de uma desvalorização do dólar. Dada essa expectativa, a gestora, que passou a maior parte de seus nove meses de vida “comprada” (com aposta na alta) na divisa americana, virou a mão recentemente, e agora está “vendida” (com aposta na queda) na moeda americana, contra o euro e o real.
A MZK Investimentos também tem posição comprada no euro contra o dólar. Marco Mecchi, CIO e sócio-fundador da gestora, observa que algumas das lideranças europeias, como a alemã Angela Merkel, lidaram com a pandemia de maneira mais eficiente que o presidente americano, o que tende a se refletir em uma retomada mais rápida da atividade no velho continente em comparação com os Estados Unidos.
“Além disso, o euro apanhou do dólar nos últimos anos muito por conta do diferencial de juros entre Europa e EUA, que hoje não existe mais.”
“A inflação vai acordar”
Seja quem for o próximo presidente americano, certamente ele terá de lidar ao longo de seu mandato com a volta da inflação.
Essa expectativa foi compartilhada por Howard Marks, sócio fundador da Oaktree Capital, durante a Expert XP, quando o experiente gestor defendeu que o investidor tenha uma postura mais cautelosa frente ao risco no cenário.
“Não acho que seja possível colocar trilhões de dólares na economia sem afetar os preços. Vai ter um impacto na inflação em algum momento, então é uma fonte de incerteza”, afirmou Marks.
Pela experiência da crise de 2008, Hishi, da Azimut, acredita que o governo americano vai preferir pecar pelo excesso do que pela omissão. “Eles já deixaram claro que preferem ter uma inflação do que uma recessão.”
Otávio Vieira, sócio da gestora de patrimônio Taler, observa que a injeção de liquidez promovida pelos governos gera, em um primeiro momento, uma inflação nos preços dos ativos financeiros, o que já estaria ocorrendo. Em uma segunda etapa, entretanto, não pode ser descartada uma pressão sobre os preços na economia real, diz.
Para o investidor que busca proteção contra a inflação, o gestor da Taler cita ativos de renda variável nos setores de alimentos e de energia, pela maior resiliência, já que eles não sofreram uma forte queda da demanda por conta da pandemia como as companhias do setor de serviços.
O e-commerce, um dos mais beneficiados pela crise, também foi lembrado, assim como as empresas de shoppings, que o especialista acredita que devem protagonizar um processo de consolidação. O foco está em companhias líderes em seus setores de atuação que devem sair mais forte da crise, aponta Vieira.
“Investimentos em fundos de private equity e venture capital são outros que se beneficiam da inflação dos ativos”, afirma o sócio da Taler, que menciona ainda os fundos imobiliários dentro da mesma tese, uma vez que os aluguéis dos ativos que compõem esses veículos, imóveis comerciais em sua maioria, têm seu valor anualmente corrigido por índices de preços.
Vieira avalia que há ganhos de capital a serem capturados em fundos imobiliários que atuam em setores pouco impactados pela crise, como o de logística, com dividendos ao redor de 6% ao ano. “Vejo com bons olhos.”
Já na Rio Bravo Investimentos, o economista-chefe, Evandro Buccini, conta que, para se precaver contra uma possível alta dos preços, a gestora tem uma alocação em títulos públicos indexados à inflação de médio prazo, ao redor de 2025.
“O IPCA-15 ainda veio mais fraco, mas a inflação vai acordar”, prevê Buccini. Segundo o economista, embora nos títulos de prazos mais longos os prêmios sejam maiores, caso o mercado sofra uma realização de preços, o impacto nesses papéis será amplificado.
E uma queda mais intensa dos mercados não é carta fora do baralho para o economista da Rio Bravo, que avalia que há uma dicotomia no mercado local, com os preços dos ativos financeiros em descompasso com os ativos reais. Diante dessa visão mais cautelosa, a Rio Bravo tem mantido posições na carteira abaixo do limite de risco em todos os fundos sob gestão, afirma Buccini. “Ainda não estamos tranquilos para aumentar o risco.”
Metal dolarizado
Na Azimut, Hishi diz que também tem olhado com mais atenção para os títulos indexados à inflação, principalmente aqueles com prazo entre 2028 a 2035, como forma de se proteger de uma futura alta dos preços.
Outra alternativa citada para se precaver de um cenário de juros baixos e perda do valor de compra é manter um pedaço do portfólio alocado em ouro, de preferência atrelado à variação do dólar. Dessa maneira, diz o gestor da Azimut, o investidor se protege de um cenário de maior aversão ao risco duplamente.
“Na crise de 2008, quando o Fed também injetou muito dinheiro na economia, o ouro teve uma valorização expressiva.”
A corrida pelo metal precioso, no entanto, não se trata de uma iniciativa recente. A cotação do ouro já subiu cerca de 30% no ano, mas grandes bancos globais, como Goldman Sachs, Citigroup e Bank of America, acreditam que ainda há espaço para mais.